15/03/2011 13:23

A Praça: o palco da vida

 

Por Pe. José Willian

Por menor que seja a cidade, existe uma praça que reúne em si a beleza do lugar, a capacidade humana de arquitetar e harmonizar e a maneira de ser de um povo. Às vezes não se dá a importância e as condições para que ela exerça a sua função em vista do bem do corpo social.  Mas, seu espaço está ai e não pode ser propriedade de nenhum indivíduo senão do próprio povo. Não quero aqui entrar no mérito de fazer algum juízo sobre o que é necessário ou não para a edificação de uma praça. Isso é função dos engenheiros, arquitetos, projetistas e urbanistas. Quero me servir desta função para instigar ou provocar algumas reflexões sobre o comportamento humano que se evidencia no uso desse ambiente público.  

Interrogando sobre o significado de praça, encontramos na sua origem latina, o termo platea, em português, plateia. Nesse sentido, a plateia traz a ideia de gente, povo que se junta.  Pode-se associar a essa noção, as Ágoras, as praças das cidades polis da Grécia antiga. A praça na vida do homem grego tinha um significado muito caro. Pois, eram nas praças que aconteciam os debates sobre os problemas sociais, as discussões e composições das leis que regeriam a vida do homem na polis. Nesse espaço de convivência gestam-se valores fundamentais à vida do cidadão e da própria cidade: respeito pelo outro, pela coisa pública e a liberdade.

Não há plateia sem espetáculo, apresentação ou cena. Nós, que somos os espectadores da realidade hodierna, ficamos maravilhados, quando visitamos as praças das cidades históricas, que são tantas em nosso estado, e que guardam imensa riqueza. Nas suas praças estão registradas não só a beleza arquitetônica, mas a história de um povo que se imortaliza em cada detalhe e o seu valor cultural.

As praças das nossas cidades apresentam apenas esse tipo de espetáculo. De nossas praças, contemplamos os prédios e edifícios com todos os seus sistemas de seguranças e instrumentos que facilitam uma vida tranquila. Percebemos indivíduos que se refugiam nos seus paraísos, isolando-se totalmente de um convívio social que exige o esforço de acolher e dialogar com o diferente. Somos também espectadores das diversidades culturas, estilo de vida, cores e porque não dizer de pensamentos que se manifestam nas posturas das pessoas que ainda a usam como espaço, no qual todos têm o seu lugar.  Como espectadores, nós não só nos impressionamos com a felicidade estampada nos rostos dos seus atores, mas, percebemos que a praça se torna o placo da vida, em que seus atores se afirmam como o ser alguém.

O ser alguém implica necessariamente o colocar-se ou o expor-se, isto é: ser alguém consiste no situar-se num espaço e num determinado tempo. Essa realidade, que nos acolhe, é parte integrante do nosso ser, mas não o determina em sua totalidade. Numa sociedade, como a nossa, que ignora a existência do outro, elimina as possibilidades de alguém exercer suas dimensões, sobretudo, a relacional, exige que o ser alguém se mostre como ser capaz de se realizar, mas não oferece espaço e nem  condições para que o alguém realize essa exigência.  Não há espaços para que a pessoa exerça as suas dimensões na sua integralidade. Nesse sentido, a praça assume essa função de revelar a existência do outro. Na atualidade, ela não assume a função de debate, das discussões, isto é, o lugar do exercício da cidadania como no mundo grego. Mas, continua cumprindo a sua função pública, como lugar de manifestação, é por isso que nesse placo, a vida do humano se apresenta em sua totalidade. Evidenciando as qualidades, virtudes, hábitos e costumes que são gerados no interior de um grupo social ou de um determinado povo.

Diante dessa realidade, pode-se interrogar: como é o placo da vida, se a violência, os protestos, os drogados e a falta de cuidado tomam conta das praças? A ilustre plateia não assiste ao espetáculo e fica embriagada nas emoções produzidas pelas cenas trágicas, dramáticas ou lúdicas. Talvez busque o porquê dessas cenas virem à tona nesse grande placo da vida.

Tais ações revelam fatores importantíssimos que são experimentados pelo homem hodierno. As pancadarias, assassinatos de jovens, o uso de drogas e o desrespeito dizem muito aos espectadores, que usam a razão para entender o sentido da vida. Essas ações não são os clamores de vários homens, mulheres, crianças, adolescentes e jovens que experimentam o submundo da miséria, exclusão e discriminação? É na praça que esses encontram o espaço adequado para pedir socorro. Não relevam a ausência das políticas públicas que atendam às necessidades dos jovens e, sobretudo, ações voltadas exclusivamente ao dependente químico? Não revelam a carência da segurança pública em garantir o direito da pessoa de ir e vir e buscar a sua felicidade?

Alguns espectadores que não são indiferentes aos sinais que vão além das imagens, ficam indignados com o abandono das praças de suas cidades. Tal realidade evidencia o desrespeito com a coisa pública. Durante a noite esse local ainda acolhe os que são desprovidos de tetos e até os animais reivindicam o seu direito de ter um espaço para se satisfazerem suas necessidades. Pode-se dizer nesse sentido que a praça cumpre a sua função de reveladora das realidades escondidas nos escombros da sociedade que se presa pelo consumo e de uma falsa ideia de felicidade e ao mesmo tempo, ainda está pronta para acolher quem a procura. Mas, não é só isso.

A história do povo brasileiro nos mostra que as vozes do povo nas praças e ruas trouxeram mudanças significativas. Só para recordar o movimento das diretas já, no qual o povo brasileiro clamou por um país livre e democrático. Os caras pintadas que reivindicaram a saída do primeiro presidente eleito com o voto direto depois da redemocratização e tantos outros fatos que nos relevam o que é a praça. É necessário escutar a voz da praça para melhor entender o agir humano.

O próprio Jesus estava atendendo aos acontecimentos da praça. O evangelista Mateus (20,1-16) mostra Jesus comparando o Reino de Deus como um patrão que contrata trabalhadores para sua vinha. Às cinco horas da tarde, o patrão encontra na praça, vários trabalhadores desocupados e os manda para a vinha. A praça torna-se para esses desempregados, o espaço para expor a sua situação. Sejamos vigilantes aos espetáculos das nossas praças e busquemos entender os desafios e valores que marginam a vida do ser humano em busca da sua felicidade.

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